Violência(s) de gênero: de dentro de casa à sala de parto

A sala de parto

No dia 11 de julho, uma notícia marcou o país: um médico anestesista, que deveria
garantir a segurança de um procedimento cirúrgico, aumentou a dosagem de sedativo para
estuprar a paciente que se encontrava em trabalho de parto. A equipe de enfermagem, que já
havia desconfiado da conduta do anestesista em outros procedimentos, gravou a agressão e
denunciou o crime de violência sexual.

O crime que aconteceu em São João de Meriti, no Hospital da Mulher Heloneida
Studart, não é uma exceção. O anestesista passou a ser considerado um “criminoso em série”,
visto que está sendo investigado por outros 30 possíveis casos de estupro. Em entrevista ao
G1, a delegada Bárbara Lomba, da Delegacia de Atendimento à Mulher, explica o caso:
“diante da repetição das ações criminosas, das características de compulsividade que se
observam e da possibilidade de várias vítimas feitas naquelas condições, podemos afirmar
que se trata de um criminoso em série” 5.

Dentro de casa. Na igreja, na escola ou no trabalho. Na sala de parto. Independente do
tipo de violência, mulheres não se sentem seguras em nenhum lugar. No caso do dia 11 de
julho, sabe-se que só foi possível denunciar o abuso por meio da gravação de um vídeo que
anunciou o flagrante. Provavelmente, sem provas, ninguém acreditaria na palavra das
mulheres da equipe de enfermagem do hospital – como em outros casos de violência de
gênero, em que mulheres são desacreditadas e, muitas vezes, deixam de denunciar por medo
ou vergonha.

Violência(s): quais são e como se manifestam?

O termo “violência de gênero” é utilizado para designar todos os tipos de violência
sofrida pela mulher. Desse modo, não se tem distinção de qualquer condição, como classe
social, religião, orientação sexual, identidade de gênero, raça, idade etc. ² A Lei Maria da
Penha (Nº 11.340), sancionada em agosto de 2006, somente no início deste ano passou a
reconhecer o direito de pessoas transexuais em situação de violência de receber atendimento
e proteção legal.

Além disso, cabe destacar que a violência de gênero se manifesta de diferentes
formas. Conforme a Lei Nº 11.340/2006, esse tipo de violência é compreendida como toda “
conduta de discriminação, agressão ou coerção, ocasionada à mulher, que causa dano, morte,
constrangimento, limitação, sofrimento físico, sexual, moral, psicológico, social, político,
econômico ou perda patrimonial” que seja exercida em espaços privados ou públicos. Pode
ser sexual, patrimonial, moral, física, doméstica e psicológica ¹,².

Como citado anteriormente, o crime cometido pelo médico se enquadra nos termos da
violência sexual. Esse tipo de violência refere-se a qualquer prática que envolva presenciar,
manter ou participar de uma relação sexual não consentida pela mulher, a partir do uso de
força, ameaças, coação, suborno, manipulação e chantagem, ou qualquer ação que seja capaz
de limitar ou anular o exercício dos direitos reprodutivos e sexuais da vítima 4.

Nesse sentido, no caso do abuso sexual cometido pelo anestesista, o criminoso se aproveitou da
vulnerabilidade da paciente, isto é, que não estava em condições de consentir, para estuprá-la
enquanto encontrava-se inconsciente.

Ademais, os tipos patrimonial, moral e física também estão previstas na Lei Maria da
Penha. A primeira envolve qualquer perda, dano, retenção de documentos pessoais, objetos,
valores e bens da mulher, enquanto a moral incide diretamente contra a reputação da vítima,
sendo a partir de ações caluniosas, difamatórias ou injuriosas. Já o ato de pôr em risco a
integridade física ou saúde corporal da vítima configura a violência física 1,2.

A violência de gênero pode se manifestar, por fim, na forma psicológica e no âmbito
doméstico. Quando exercida para causar danos emocionais à vítima, a partir do controle de
suas ações, decisões, crenças e comportamentos, por meio de constrangimento, manipulação,
perseguição, chantagem, ameaças, compreende-se como violência psicológica. A doméstica,
por sua vez, abarca aspectos de cada uma mas se diferencia por ocorrer em uma relação de
familiaridade, coabitação ou afetividade dentro de casa: os agressores, na maioria dos casos,
são membros da família, que praticam abusos sexuais, físicos, psicológicos e de abandono e
negligência 2.

Consequências e manejo da violência de gênero

Independente da forma que se manifesta, de dentro de casa à sala de parto, essas
violências trazem consequências graves no desenvolvimento emocional, afetivo, cognitivo e
social de mulheres que estão ou estiveram nessa situação. É comum que aconteçam alterações
na saúde psicológica da vítima em resposta ao trauma, sendo danos imediatamente após
agressão, como o estado de choque, ou a longo prazo, que podem se manifestar a partir da
perda de autonomia e/ou do sentimento de incapacidade, insegurança e impotência. No que
diz respeito à saúde física, pode provocar dores crônicas, aumento de pressão arterial ou
traumatismos 2.

Torna-se evidente, portanto, a necessidade do apoio de uma equipe multiprofissional
qualificada para atender essas pacientes. É preciso, sobretudo, que os profissionais atuantes
em casos de violência de gênero ofereçam acolhimento, confidencialidade e, para os
profissionais de Psicologia, uma escuta segura e livre de crenças pessoais, religiosas e morais.
Além disso, casos como esses demandam um amplo conhecimento sobre a legislação vigente
e uma constante reflexão e atualização da sua prática profissional 2.

Lembre-se de buscar apoio caso esteja em situação de violência ou oferecer ajuda
para quem esteja vivenciando qualquer tipo de abuso. Nesses casos, principalmente quando
envolvem ameaças e risco de feminicídio, é imprescindível que se encaminhe uma denúncia
para a central de atendimento do número 180. Quando for necessário atendimento
psicológico, procure ou indique um profissional qualificado. Na Alimentas, contamos com
uma equipe de Psicologia para atuar nessas situações. Entre em contato conosco pelo
WhatsApp ou Instagram (@alimentasideiasnutritivas).

Para mais informações sobre o enfrentamento à violência de gênero, consulte o site do
Governo Federal e conheça outros serviços e canais de denúncia:
https://www.gov.br/pt-br/servicos/denunciar-e-buscar-ajuda-a-vitimas-de-violencia-contra-mu
lheres

Por Mariana Mendonça,
Estudante de Psicologia

Referências Bibliográficas:
¹ BRASIL, Lei nº. 11.340, de 7 de agosto de 2006. (2006). Lei Maria da Penha. Recuperado
em 15 julho, 2022, de
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm
² Centro de Referência Técnica em Psicologia e Políticas Públicas (CREPOP). (2013).
Referências técnicas para atuação do (a) psicólogo (a) em programas de atenção à mulher em
situação violência. Conselho Federal de Psicologia (CFP). Brasília: CFP. Disponível em:
https://site.cfp.org.br/coronavirus/enfrentamento-a-violencia-contra-a-mulher/
³ Conselho Regional de Psicologia de Minas Gerais. (2020). Informações para a população
sobre o enfrentamento à violência contra as mulheres. Disponível em:
https://site.cfp.org.br/coronavirus/enfrentamento-a-violencia-contra-a-mulher/.
4 Gaspar, R. S., & Pereira, M. U. L. (2018). Evolução da notificação de violência sexual no
Brasil de 2009 a 2013. Cadernos de Saúde Pública.
5 Haidar, D., Freire, F., & Coelho, H. (2022). Polícia investiga 30 possíveis casos de estupro
por anestesista no RJ. G1 Globo. Disponível em:
https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2022/07/14/policia-investiga-30-casos-suspeitos
-de-estupro-de-anestesista-no-rj.ghtml