Setembro Amarelo

Por Ramiro Catelan, Psicólogo

Na esteira do Setembro Amarelo, campanha que busca a prevenção do suicídio e valorização da vida, gostaria de fazer algumas considerações sobre a saúde mental da população LGBT.
A ciência psicológica vem produzindo uma vasta literatura sobre os efeitos do estresse crônico a que pessoas LGBT são submetidas diariamente por terem a ousadia de serem quem são em um contexto social invalidante e hostil.
Essas pessoas estão sujeitas a escores alarmantes de preconceito, com consequências fisiológicas diretas e desfechos psicológicos negativos.
Há uma relação cruel entre experiências de discriminação, expectativas de rejeição e homofobia/transfobia internalizadas. Os impactos não são apenas simbólicos, subjetivos. São materiais. São concretos.

As pessoas sentem na pele a ferida do estigma, do ódio, da incompreensão, da apatia.

Há pesquisas que apontam que a expectativa de vida de pessoas LGBT é reduzida em ambientes explicitamente contrários à diversidade sexual e de gênero, colocando essa população em risco para mortes por suicídio, homicídio e doenças cardiovasculares.
Existem achados que apontam que jovens LGBT que experienciam preconceito e rejeição no ambiente familiar estão oito vezes mais propensos a tentativas de suicídio.

Mulheres lésbicas estão sujeitas à objetificação e auto-monitoramento persistentes, podendo ocasionar risco para transtornos alimentares.
Ainda, os níveis de depressão, ansiedade, abuso de substâncias, tentativas de suicídio e suicídios consumados entre pessoas não-heterossexuais e não-cisgênero mostram-se simplesmente assustadores, e têm sido apontados por várias investigações.
As barreiras de acesso da população trans à saúde são diversas e carecem de um olhar mais cuidadoso pelos formuladores de políticas públicas e pelos próprios pesquisadores no contexto brasileiro. Ao antecipar o preconceito, travestis e pessoas trans deixam de frequentar os serviços de saúde; quando frequentam, são maltratadas e rechaçadas.

Boa parte das pessoas trans recorre à prostituição como única forma de sobrevivência, pois não têm acesso à educação formal, redundando em portas fechadas no mercado de trabalho. De 2008 a 2013, foram reportados 539 assassinatos de travestis e pessoas trans no Brasil; esses números provavelmente são maiores, pois a subnotificação parece ser grande. No ambiente escolar, o bullying com viés de orientação sexual é uma experiência comum entre jovens gays, lésbicas e bissexuais; relatos de assédio, agressões físicas, perseguições, entre outras situações abusivas, são mais comuns do que gostaríamos de imaginar.

As situações anteriores são apenas ilustrações dos agravos a que a população LGBT, em todos os seus segmentos, está exposta. Uma vida de medo, abandono, vulnerabilidade e agressão pode gerar cicatrizes psicológicas profundas. As repercussões deletérias do preconceito e da discriminação não são conversa de defensores da “ideologia de gênero”, mas evidências baseadas numa série de estudos robustos e na vivência cotidiana e sistemática das pessoas vítimas desse processo de produção de morte.

É isso que, no fim, o estigma, o preconceito e a discriminação produzem: morte subjetiva, social e física.
Cabe refletir: qual o papel de cada um de nós na perpetuação da violência e na possibilidade de mudar esse cenário? Qual o papel do Estado, das comunidades, das famílias e das instituições diante dessas demandas? Defender a construção de vidas mais dignas, vidas mais “vivíveis”, é um imperativo ético.
Precisamos abandonar o paradigma da morte e da vulnerabilização, não em direção à tolerância, mas à aceitação, cuidado e respeito.
É um dever da sociedade lutar por outras trajetórias possíveis para quem não se encaixa no padrão; é um dever cruzar o limiar da indiferença em direção a posturas mais empáticas.

A diferença está colocada na humanidade enquanto um fenômeno complexo.

A vida é plural, diversa, múltipla, abundante, multifacetada. A diferença precisa ser reconhecida, afirmada, validada e reforçada. Aquilo que diverge do que somos não deve nos ameaçar ou anular, mas engrandecer, qualificar. É possível produzir potência na diferença.

Não somos todos iguais e não precisamos ser, porque a vida é mais leve e permeável quando é diferente.

Precisamos de políticas públicas que garantam os direitos básicos da população LGBT, que garantam o direito à diferença. A categoria de profissionais da psicologia precisa receber treinamento e formação em gênero e sexualidade; há evidências de que profissionais sem preparo podem não só não ajudar, como provocar danos a pessoas já bastante vulnerabilizadas. Para além disso, precisamos ter mais curiosidade e sensibilidade, buscando aguçar o olhar para as singularidades das experiências de gênero e sexualidade.
A psicologia vem construindo teorias e ferramentas que podem ajudar a melhorar a qualidade de vida da população LGBT e construir uma sociedade com mais respeito e empatia.
É preciso promover processos de resiliência, de fortalecimento de vínculos, de construção de redes afetivas, de reforço do apoio familiar.
A população LGBT precisa ter condições de se reestruturar cognitiva, comportamental e emocionalmente, a ter outras visões de si, do mundo e do futuro. E todos nós precisamos nos implicar nisso: na aceitação radical da diferença e na solidificação de um futuro com menos discriminação e mais possibilidades. A vida pode ser mais valiosa.

Cada pessoa é preciosa e especial à sua maneira. Você, que se sente discriminado, vulnerável, sem perspectiva: você não está sozinho. Procure ajuda na sua rede de amigos; procure apoio profissional. É possível superar a desesperança; é possível reinventar sua história e construir uma existência cheia de valor.

A vida faz mais sentido quando pintada com diversas cores.

Para quem quiser as referências:

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